Empresas de videogames veem seus atores como 'dados' para a IA, diz sindicato em greve
A inteligência artificial (IA), tema central das greves de Hollywood no ano passado, provoca agora uma segunda paralisação de atores de uma indústria muito maior e no coração da tecnologia: os videogames.
O Sindicato dos Atores de Cinema(SAG-AFTRA) começou na sexta-feira (26) sua segunda greve em nove meses, desta vez contra os gigantes dos videogames, a frente de uma indústria que movimenta mais de 100 bilhões de dólares (R$ 565 bilhões na cotação atual) por ano.
Embora várias das reivindicações sejam semelhantes, como o consentimento e a compensação dos atores, cujas vozes e movimentos são utilizados pela inteligência artificial (IA) para moldar as personagens dos jogos, as negociações mais recentes trazem desafios particulares, segundo os negociadores.
As empresas de tecnologia, por sua natureza, tendem a ver os atores como “dados” para a IA, disse Ray Rodriguez, chefe das negociações contratuais.
“As atuações são equilibradas, determinadas pela psicologia da personagem e pelas suas circunstâncias. É isso que o torna atrativo”, disse Rodriguez à AFP.
Entretanto, “o fato de se verem como empresas tecnológicas” está diretamente relacionado com “a sua falta de vontade de perceber o valor da atuação”, acrescentou.
- "Sigilo" -
As discussões englobam cerca de 2.600 artistas que dublam vozes para videogames, ou cujos movimentos físicos são gravados para animar personagens gerados por computadores.
A medida ocorre após mais de um ano e meio de negociações infrutíferas entre o sindicato e empresas do setor, como a Activision, Disney, Electronic Arts e Warner Bros. Games.
As conversas são esporádicas. As companhias não nomearam negociadores em tempo integral e estão “absolutamente obcecadas com o sigilo”, disse Rodriguez.
Os personagens de videogames muitas vezes combinam atuações. Por exemplo, um personagem pode ter a voz de um ator e os movimentos de outro.
É uma forma “realmente agradável” de colaborar, disse Sarah Elmaleh, que está à frente do comitê de negociações do sindicato.
Entretanto, as empresas de videogames exploram esta ambiguidade criando atalhos legais nas suas contrapropostas, alertou.
Isto porque estas companhias podem utilizar a IA não só para reproduzir um ator, mas para criar “novas” vozes ou movimentos corporais a partir de um compilado de atuações humanas.
Conhecida como “IA generativa”, esta técnica pode dificultar os atores de rastrear seu trabalho e sua remuneração.
“É possível tentar ser evasivo nesta área de várias maneiras”, disse Elmaleh à AFP na Comic Con, que acontece nesta semana em San Diego, Califórnia.
- "Travar esta batalha" -
No ano passado, os bloqueios na porta dos estúdios de Hollywood, com a presença de algumas celebridades, chamaram a atenção para as greves.
O protesto da indústria dos videogames pede uma abordagem mais “surpreendente e diversificada”, disse Elmaleh, que sugeriu estratégias como visar “os criadores de conteúdos e o cenário virtual, bem como o presencial”, sem entrar em detalhes.
Para os locutores e dubladores de videogames, como Lindsay Rousseau, as ações na indústria não podem esperar, uma vez que a IA absorve rapidamente o seu trabalho.
“Faço personagens auxiliares, os NPCs (non-playing characters) que te dão missões, personagens com quem lutam e morrem, muitas vozes de criaturas”, explicou. “Esse é o primeiro trabalho que vai desaparecer”, completou.
Sem proteções contra a IA, apenas os dubladores famosos, no topo da indústria, ganharão a vida, enquanto estreantes ou aqueles com menos fama serão deixados de fora, alertou Rousseau.
Para os atores em situação vulnerável, que ainda estão avaliando o impacto das greves de Hollywood, a ideia de passar mais tempo de braços cruzados é assustadora.
Entretanto, “a forma como a greve aconteceu no ano passado nos deu razão”, disse Rodriguez.
“Não nos desencorajou de ir para outra luta por causa da IA. De fato, isso realçou o direito de travar esta batalha e a necessidade de travá-la agora”, completou.
A. Walsh--BTZ