Julgamento em Londres sobre ouro da Venezuela volta ao ponto de partida
Depois de três anos de um complexo litígio em Londres, o julgamento para decidir quem terá acesso a mais de 30 toneladas de ouro das reservas venezuelanas guardadas no Banco da Inglaterra voltou à estaca zero nesta sexta-feira (30).
Três juízes do Tribunal de Apelação de Londres rejeitaram um recurso apresentado por autoridades venezuelanas contra a última de várias decisões que concederam o controle das barras, avaliadas em 1,9 bilhão de dólares (9,2 bilhões de reais na cotação atual), ao opositor Juan Guaidó.
No entanto, isto não significa que Guaidó e seu entorno possam acessar os fundos. Eles podem, inclusive, ser impedidos, pois o opositor já não é mais reconhecido pelo Reino Unido como presidente encarregado da Venezuela. O governo britânico também não reconhece Nicolás Maduro, por considerar sua reeleição de 2018 fraudulenta.
Desde o início do processo, alguns especialistas estimam que as barras poderiam simplesmente permanecer nos cofres do Banco da Inglaterra até que sejam realizadas eleições na Venezuela, reconhecidas por todas as partes.
Acrescentando complexidade ao caso, os magistrados consideraram que, "à luz da mudança do panorama" diplomático, a Corte comercial que o julgou inicialmente deverá agora "determinar o andamento futuro deste litígio".
Em uma complicada sucessão de decisões, recursos e contrarrecursos durante três anos, a Justiça inglesa determinou que Guaidó era o representante legítimo da Venezuela, por ter sido reconhecido pelo governo britânico quando se autoproclamou "presidente encarregado" em sua qualidade de presidente da Assembleia Legislativa em 2019.
Também determinou que a junta ad hoc do Banco Central da Venezuela (BCV), nomeada por ele, poderia dar instruções ao Banco da Inglaterra na qualidade de cliente, e portanto poderia solicitar que lhe entregasse o ouro.
Ficou decidido, ainda, que a Justiça inglesa não reconheceria as decisões do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) de Caracas que invalidaram tais nomeações por considerar, entre outras coisas, que os juízes desta corte estão às ordens do presidente Nicolás Maduro.
- A pergunta de 1,9 bi -
Esta última decisão, tomada em julho de 2022 pela juíza Sara Cockerill, da divisão comercial da Alta Corte de Londres, foi contestada em outubro pelo BCV oficial, presidido por Calixto Ortega.
Porém, durante a espera para que o Tribunal de Apelação analisasse o caso, a realidade política mudou na Venezuela.
No final de dezembro, a Assembleia opositora eleita em 2015 - e ainda reconhecida por países como Estados Unidos e Reino Unido que consideram ilegítimas as legislativas de 2020 - votou a favor de dissolver o governo interino de Guaidó. Esta decisão foi acatada por governos como Washington e Londres.
Em sua decisão desta sexta, os juízes Sarah Falk, Stephen Males e Stephen Phillips do Tribunal de Apelação confirmaram todas as decisões judiciais anteriores considerando que, quando foram tomadas, correspondiam à realidade política do momento, ou seja, o reconhecimento do opositor por Londres como representante legítimo do país.
A decisão volta, assim, para as mãos de Cockerill mais de três anos depois que começou a analisar a questão.
Em 2020,o BCV de Ortega processou o Banco da Inglaterra para obrigá-lo a entregar as barras de ouro, assegurando necessitar dos fundo para enfrentar a pandemia de covid-19.
Pressionado pelos dois grupos opositores, a instituição financeira alegou que recebia instruções contraditórias de outro BCV, o designado por Guaidó, que disse temer que o dinheiro fosse para os bolsos dos "cleptocratas" ou usado para reprimir a população.
Por isso, a instituição solicitou à Justiça britânica que determinasse a quem deveria obedecer.
Mais de três anos depois, a pergunta de 1,9 bilhões de dólares continua sem resposta.
P. Hansen--BTZ